Uma recente descoberta arqueológica na Alemanha promete reescrever capítulos importantes da história do cristianismo, especialmente no que se refere ao seu surgimento e difusão durante o Império Romano. Um amuleto de prata, pequeno mas de valor imensurável, encontrado em 2018, traz à tona novos indícios sobre a presença do cristianismo na Europa em uma época ainda muito distante de sua consolidação como religião oficial do império.
O artefato foi desenterrado em uma sepultura romana datada de entre os séculos 3 e 4, na região de Nida, próxima a Frankfurt. A sepultura pertencia a um homem de aproximadamente 35 a 45 anos, cujo corpo estava acompanhado de outros itens como um queimador de incenso e um jarro de barro. No entanto, o que mais atraiu a atenção dos arqueólogos foi um pequeno amuleto de prata, encontrado sob o queixo do esqueleto. Conhecido como filactério, esse amuleto era usado como um talismã de proteção espiritual, provavelmente amarrado ao pescoço do falecido por uma fita.
Durante as escavações iniciais, os arqueólogos perceberam que o amuleto continha uma folha de prata finíssima, extremamente frágil. Contudo, a verdadeira surpresa só seria revelada após anos de análises tecnológicas. Em 2019, uma série de exames, incluindo raios-X e microscopia, indicaram que havia inscrições na folha, mas, devido à fragilidade do material, não seria possível desdobrá-la sem comprometê-la.
Somente em maio de 2024, graças a um método inovador de tomografia computadorizada desenvolvido pelos pesquisadores do Centro Leibniz de Arqueologia em Mainz, os especialistas conseguiram digitalmente “desenrolar” a folha de prata, revelando com clareza o conteúdo do texto. O uso de scanners de alta resolução permitiu reconstruir em 3D o amuleto, fornecendo uma imagem precisa das palavras gravadas.
Para a surpresa dos especialistas, o texto estava repleto de referências a Jesus Cristo e a São Tito, um dos discípulos de São Paulo, oferecendo uma das evidências mais antigas do cristianismo fora dos círculos mais tradicionais. Com 18 linhas de texto em latim, a inscrição contém invocações a Jesus Cristo como “Filho de Deus”, assim como declarações de fé, que incluem menções a São Tito, que, junto a outros cristãos, propagava os ensinamentos de Paulo.
Este achado representa uma das provas mais antigas do cristianismo na Europa, datando de um período entre 230 e 270 d.C., muito antes de outras descobertas semelhantes. Na época, o cristianismo ainda era uma religião perseguida e de culto restrito, e identificar-se como cristão era um risco constante. Contudo, o indivíduo enterrado com o amuleto parecia demonstrar uma fé tão intensa que levou consigo um símbolo de sua crença para o além.
Markus Scholz, arqueólogo da Universidade Goethe de Frankfurt, foi o responsável pela decifração do texto. Ele descreve o processo como “um desafio monumental”, que envolveu a consulta de especialistas em teologia e história antiga. “Normalmente, inscrições dessa natureza são feitas em grego ou hebraico, mas esta é uma das raras exceções”, afirmou Scholz.
O conteúdo traduzido do amuleto revela uma fervorosa expressão de fé em Jesus Cristo, destacando a sua divindade e a submissão dos fiéis à sua vontade. Trechos do texto afirmam: “Em nome de São Tito, santo, santo, santo, em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus, o Senhor do Mundo… Todos os joelhos se dobram diante de Jesus Cristo, o celestial, o terreno e o subterrâneo…”. O texto é uma invocação de proteção e salvação, confirmando a crença no poder divino de Cristo.
Essa descoberta não apenas proporciona um vislumbre raro da religiosidade cristã nos primeiros séculos, como também aponta para um cristianismo já florescente na região que hoje compreende a Alemanha, em uma época até então considerada um ponto remoto da expansão do cristianismo. O amuleto encontrado pode, portanto, redefinir a compreensão sobre a rapidez e as formas pelas quais a nova fé se espalhou pelo Império Romano, muito antes da conversão de Constantino no século IV.
Por: Ana Cléia Araujo Siga a Rede Agathos: https://www.instagram.com/redeagathos/